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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Valença. Batom vermelho, Girassol

Um Girassol e um batom vermelho.

O que é capaz de te enfeitar?

O que é capaz de completar sua "morenidade"?

Nos cabelos, preso aos cedosos e crespos fios, carinhosamente rebeldes, e de um brilho capaz de brigar com o sorriso daquela imponente flor que, lindamente, se abre ao radiante dia que abraça nossos planos de verão.

Sob os carnudos lábios desenhados em uma boca pequena como uma das bonecas colecionadas pela minha avó, uma cor completava a beleza da imagem que surgia na roda.

Vermelho como a mais sedutora das paixões. E os lábios se tornaram, inocentemente, o maior desejo dos homens que ali estavam admirados. Inquietos por aquela presença tão sedutoramente feminina, esses, discretamente, tentavam chamar atenção para seus predicados. Uns levantavam copos, outros entornavam. Os mais másculos congelavam uma posição de vantagem. Alguns simplesmente não sabiam como agir.

Todos reafirmaram postura. Nenhum queria ser ninguém.

Havia ainda os que não chamariam à atenção mesmo que pendurando uma daquelas melancias no pescoço. Apesar de parecerem ridículos aos julgamentos dos machões, esses, também queriam ser notados. Sorriam sem olhar diretamente para a morena de girassol no cabelo e batom vermelho nos lábios.

Ela ainda estava parada. Seus olhos voavam por todo o salão. Os coitados pensando que provocavam nela, sensações. Mas, ela, entretanto, parecia procurar algo que não se encontrava com nenhum deles. Questionavelmente, ela parecia direcionar suas intenções a qualquer coisa para além de qualquer que fosse os braços masculinos que esperavam aconchegá-la.

Enquanto seus olhos davam voltas e voltas no salão, alguém parecia sorrir seguro.


Morena flor do desejo, ai teu cheiro em meus lençóis! Gritou, embaladamente, um daqueles "ridículos" que resolvera beber para impressionar.

E a morena, então sorriu. O gesto facial parecia encantar a todos como um canto de sereia.


Gira gira gira girassol!. O "ridículo" se levantou. com um copo cheio, caminhava em direção à morena. Todos os outros começaram a se incomodar. Os fortões franziam a testa. Aquilo era inadimiscível.

E a morena... esperava aquela aproximação estampando um sorriso branco.

Gata Selvagem, sou caçador...

Mar e Sol... Cantou, em resposta, a morena, sorrindo com os braços abertos para abraçar quem chegava.

"Gira gira gira girassol". Um dueto regado a sorrisos. A morena girava.

Risadas frouxas.

Um beijo.

E o batom avermelhou outra boca.

"Ai, teu cheiro matador!"

Inaceitando aquilo, os outros cochichavam. Sem conseguir desviar a atenção daquele "ridículo", olhavam todos os detalhes daquela "pessoinha".

"O quê?!". Todos exclamavam para si. "O que está sobre os pés daquele 'ridículo' é um salto alto?!".

O chapeu preto, estilo Alceu Valença, sob a cabeça do "ridículo", a morena tirara para ter acesso aos cabelos lisos e compridos da branquela. 

"É uma mulher!". A inaceitação e o preconceito haviam mexido com o salão.

Mas a dança e a música a partir das codas vocais das amantes pareciam mais feliz.

O girassol continuava a sorrir. O batom vermelho era compartilhado (da melhor forma possível, diga-se de passagem).

Não era difícil imaginar quem era o Mar e quem era o Sol.

Girassol.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O diálogo

- Para onde foi a felicidade?

- Para dentro de mim!

domingo, 9 de janeiro de 2011

A conjugação

               ME
               TE
               O/A
EU   NOS    AMO
               VOS 
               OS/AS

Os papéis

Ele tomava ainda - após vários minutos - aquela carta em suas mãos.

O que havia por trás das formas, eu não conseguia saber, mas a expressão do seu rosto me levava à partilha.

Ele fitava aqueles papéis com a testa franzida. Seus olhos acompanhavam dsscrentes as letras que seguiam e parecia voltar-se às lembranças de um passado como para ter certeza do que acontecia em suas mãos. Sua cabeça gesticulava uma indiscrença. Suas mãos pareciam petrificadas segurando aqueles papéis - de onde eu via, parecia, no mínimo dois -. A direita, ocasionalmente, era levada ao nariz, como para esconder o que dele escorria; voltava ao papel e passava pela testa. Ele parecia desconfortável. Parecia se questionar. Sua boca, em alguns momentos mexia-se como se tivesse de fazer seus ouvidos acreditarem nos que seus incrédulos olhos insistiam em não ver.

Sem tirar a atenção daqueles papéis, com a mão direita ele procurava a parede branca por trás de si. Encostou as costas e deslizou até alcançar o chão. E ali, sentado com os joelhos flexionados e as pernas abertas, ele parecia se jogar à solidão. Sofria.

Sua expressão ficava cada vez mais triste. Levou sua mão direita aos olhos para capturar o que deles vertiam antes que pudessem encontrar aqueles papéis.

Trocou a página e o ritual se seguia.

E, finalmente, parecia que a carta chegava ao fim. Levou a mão direita ao rosto e o cobriu com seus dedos e palmas trêmulos. Reuniu seus joelhos à barriga e descansou os cotovelos sobre eles. Seu antebraço esquerdo estava estendido. Em sua mão - entre os dedos indicador e médio -, a carta. Sua direita desceu ao chão.

A cabeça estava baixa, mirando a barriga. Seus negros cabelos era só o que se podia ver. Mesmo de longe, eu podia perceber o brilho quase azul daqueles fios arrebitados. Então, inquietamente, levou sua mão direita a bagunçar aqueles. Apoiou o cotovelo no joelho e deixou-se confundir seus dedos e fios.

Ele parecia se comprimir ainda mais. Inquietava-se. O movimento de cabeça se repetia. Então, num súbito e incontrolável impulso, mais rápido do que eu pude acompanhar, ele ergueu agressivamente a cabeça e fixou seus olhos no teto. Os fechou.

Começou, agora, desesperadamente, a chocar contra a parede, sua cabeça. As lágrimas banhavam seu rosto, mergulhando-o em lembranças.

Em alguns momentos me passava à mente o que causava todo aquele pranto. Entretanto, comecei a esquecer. Somente ELE me interessava de verdade.

Eu morava do outro lado da rua. Era uma esquina. Ambos os prédios possuíam sete andares. Nós, habitávamos o último. Nossas varandas se encontravam frente a frente. E não era qualquer varanda. A minha saía do meu quarto. E quando dela, eu olhava, do outro lado eu via a sua cama "box" que sempre era vestida por um cobertor vermelho.

Juro que, nunca, nenhum fetiche daqueles que vemos em filmes, com vizinhos de janela, me atormentou. Na verdade, eu nunca o havia visto antes - nem sobre a sua cama -. Aquela janela, ele nunca fechou. Às vezes, entretanto, eu sabia da sua presença. Ele entrava no quarto, pegava algo e logo saía.

Há duas caqueiras com samambaias em minha varanda. Por trás de uma, eu, escondida, assistia àquela cena que me comovia. E me imaginava deslizando minha mão naquele cabelo. Eu parecia até sentir seus fios entre meus dedos. Senti franzida, a minha testa. Aquilo que eu sentia era algo distante até para mim. Não era capaz de me fazer chorar, mas me levava a comoção. Isso me deixava bem. Alguém que eu nem conhecia me prendia àquelas sensações.

Com certeza, já nos encontramos. Ponto de ônibus, voltando pra casa, dobrando a esquina, entrando quase simultaneamente aos respectivos prédios. Algumas cenas como essa já havia acontecido. Provavelmente, um daqueles caras tinha de ter sido ele. Isso me intrigava apesar de eu saber que não faria nenhuma diferença. Eu não o conhecia e ponto.

Talvez aquela carta fosse um rompimento de relacionamento. Talvez nem fosse uma carta, podia ser um resultado inesperado de um exame de saúde. Talvez, uma dívida tenha crescido ao ponto de quase enlouquecê-lo. Talvez alguém tenha deixado uma carta de suicídio. Talvez tenha sido abandonado. Ou reprovado...

A incógnita me levava ao desejo de abraçá-lo. E comecei a me projetar em sua cozinha preparando um chá (de Camomila, talvez), enquanto ouvia sua declaração, seu desabafo.

Ele, então, amassa o que possuia na mão e arremessa para a direita. Com as duas mãos seca as lágrimas. Se decide.

Bruscamente, levanta. Parece tonto. Perdido. Dá uns passos cambaleantes com a mão direita na testa, a fim de voltar ao equilíbrio normal de suas faculdades e corpo. Segura na parede e adentra ao quarto. Na entrada, ele pára. Então prossegue. Eu podia vê-lo deixando o cômodo. Minutos depois, ele volta. Eu estava esperando.

Eu podia ver seu corpo molhado. Sua toalha azul, desbotada, amarrada à cintura. Acabara de sair do banho. Então, ele olha fixamente para a varanda. E a ela se direciona objetivamente.

Pára. Suspira forte. Ergue a cabeça.

Decidido.

Fecha a cortina.
Às vezes, tenho de silenciar minha voz e permitir que o som do meu silêncio estremeça a minha alma e ensurdeça a minha paz.