Não
me dou bem com sentimentos. Na verdade nem sei para que existo. Da janela é
mais fácil saber. Conhecer.
O
dia deve estar bonito. Não sei. Também sou terrível com conceitos. Mas aí,
nessa sala entre a luz e a penumbra existem alguns em diálogo, do qual quero e
preciso fugir.
Meu
Deus, seu primeiro dia na escola! Eu deveria ter aquela conversa com ele. Ou
pelo menos ter dito algumas frases desconexas enquanto o ajudaria a calçar os
sapatos. Ou algo assim. Mas ele é um rapazinho e faz isso sozinho. Eu nem me
atrevi.
Ai,
aquele chapéu! Eles parecem tão homenzinhos desfilando aquilo em suas cabeças.
Parecem ser grandes para, entre outras coisas, esconder a timidez ou a falta
dela. E ainda nem me passa pela cabeça interpretar como ele se comportaria com
aquele adorno.
Tudo
é novo. Não apenas esse dia que inaugura uma experiência, mas ela fez questão
de quase lamber cada detalhe, desde a roupa íntima até aquela fitinha azul que
ela mesma comprou. Disse que era seu presente para dar sorte. Ele a abraçou e
me olhou com expectativa. Eu, sem resposta emocional, apenas me levantei e saí.
Da janela é tão mais fácil...
Ela,
seguramente deve estar fazendo-lhe perguntas. Sei que essas são as companhias
prediletas dele. Vive fazendo as mais perturbadoras perguntas. E também adora
responder. Garoto esperto. Certamente conseguirá viver.
Tive
medo de que certas indagações fossem feitas. De repente, ele me perguntaria
qual era minha brincadeira favorita na escola. Ou se eu gostava de brincar. Ou
se eu gostava de ir à escola. E também ainda não me passa pela cabeça se ele
vai gostar.
Nem
lhe perguntei se estava ansioso. Acordou cedo. Correu pelos corredores e abriu
a janela com voracidade. Abriu seu baú e selecionou alguns brinquedos. Não sei
por que. Acabou deixando todos espalhados. A peteca foi minha. Acho que é a
única coisa que guardo da infância. Mas não sei como foi parar ali.
Acho
que ele pensou em levá-los. Acho.
Ela
é sempre tão boa com ele. Tão generosa comigo. Seguramente pôs uma maçã para
que ele levasse de lanche. Se é que ele gosta de maçãs. Mas o penteou com tanto
zelo que até eu parecia sentir a delicadeza de seus dedos me acariciando o
couro cabeludo. Cheguei a fechar os olhos. Mas logo os abri. Tive medo de
lembrar.
Daqui,
creio, não dá para me ver. Acho que me sentiria covarde se ele me percebesse
aqui. Saí tão sutilmente daquela sala que talvez ele ainda ache que eu esteja
por ali.
Já
sei: talvez ela lhe esteja provocando a memória. Outro dia soube que ele já
tinha de cor os nomes de todos os países. E ainda sabia o que são estados e
cidades.
Ou
talvez ele tivesse perguntando se dói. Sobre o que conversavam ontem à noite eu
não sei, mas quando eu passava pelo quarto de banho, o escutei perguntando se
“aquilo doía”. Acho que era sobre ela, pois não respondeu e ficou calada. Como
não me interessa, prefiro nem saber.
Mas
ele é tão esperto! Tão independente que me põe em dúvida sobre qual é o meu
papel. Se é que eu quero ter um. Ou devo.
Quando
ela segurou a sua mão, levantou e saíram pela porta que eu havia deixado aberta
para não fazer barulho, eu senti algo voando em meu estômago. Minha garganta
deu um nó.
Me
viro e o vejo partir.
Não vai chover. Que bom. Assim ele não tem que correr.
—
Põe o chapéu!